As crianças costumam ser consideradas criativas; de fato, não o são. Crianças são curiosas, espontâneas, não conhecem o medo de errar e de experimentar, e pensam divergentemente. Todos estes são fatores que reconhecemos como pré-requisitos para a criatividade mas, por si só, são insuficientes. Precisam ser aliados ao tempo necessário para internalizar as complexas regras de um campo de conhecimento e mergulhar profundamente dentro de uma disciplina.

Qualquer pessoa curiosa que dedica tempo e trabalho numa atividade de sua preferência, tem condições de fazer uma contribuição criativa. Independente de seu meio/classe social, a criatividade surge quando ficamos mais tempo em cima de um problema. Ainda assim, um momento histórico ou condições culturais propícias podem ser um fator de estímulo, quando/se a sociedade valoriza e considera importante o investimento em áreas como educação, criatividade e arte, por exemplo, gerando ambientes mais favoráveis para instigar esse tipo de atitude.

Não considero que a criatividade seja algo necessariamente vinculado à arte (há tanto "funcionalismo público" na arte quanto em qualquer outra área). Um ato criativo pode se manifestar em diversos campos de atuação.

Uma das coisas sobre a qual fui me dando conta ao longo dos anos, como educador, é que, apesar do fato de que todo mundo tem sonhos, apenas uma minoria investe o necessário para realizá-los. Eu conheço muitos que gostam da ideia de serem artistas, embora infelizmente não gostem o suficiente de arte ao ponto de investir. A primeira coisa a se fazer para realizar os seus sonhos, é acordar.

"Criatividade representa a milagrosa conjunção da energia desinibida da criança com o seu aparente oposto ou inimigo, o senso de ordem imposta pela inteligência disciplinada de um adulto.”

Norman Podhoretz

Existe um antigo ditado inglês de que gosto: "You can take a horse to the water, but you can't make it drink." (Você pode levar um cavalo para a água, mas não pode obrigá-lo a beber). Em outras palavras, é possível ajudar uma pessoa a se conscientizar sobre as armadilhas que cria para si mesma ao longo do seu processo; entretanto, a quantidade de energia que disponibiliza para a sua área de estudo, somente ela vai decidir.

Não vejo o processo de ensinar, neste contexto, como necessariamente passar informação e, muito menos, como preparar alguém para o mercado; vejo-o, sim, como meio de provocar reflexão para que a pessoa atinja autonomia na sua capacidade de pensar seus próprios problemas… Metacognição. Talvez o papel do educador se assemelhe mais ao do jardineiro do que ao do instrutor.

Um dos mais conhecidos problemas no entendimento de criatividade é pensar que, para que ela aconteça, é preciso "baixar o santo". Na verdade, o desempenho criativo parece ser mais proveniente de paixão, enorme disposição de energia, trabalho intenso, curiosidade e, uma pitada de "ludicidade"– fatores disponíveis para todos, mas que só despertam quando trabalhamos numa atividade que nos motiva fortemente. Infelizmente, 80% das pessoas levam suas vidas trabalhando em áreas que não proporcionam nenhum significado em retorno. Nessas circunstâncias, com uma postura de trabalho desmotivada, fica difícil reunir as energias suficientes para contribuir criativamente.

Então acho, como conselho, que a primeira coisa a fazer é encontrar uma atividade que realmente importe para você, em vez de se prender apenas a motivações extrínsecas, como dinheiro, promoção, sucesso, etc. Paradoxalmente, as pessoas bem sucedidas tendem a estar envolvidas demais com o que fazem para se preocuparem em ser bem sucedidas. Exemplos não faltam. O significado deve vir da atividade em si (um processo autotélico).

Talento? Não confio neste termo. Tocar piano, escrever uma poesia ou desmontar um carburador não são habilidades que nascem com as pessoas. As redes neurais formadas para tocar piano são configuradas enquanto tocamos piano, na prática. As regras que definem estas atividades precisam ser aprendidas, e os circuitos neurais que as possibilitam, criados ao longo dos processos de aprendizagem. Se o talento é uma predisposição ou facilidade em executar algo, então não seria suficiente para garantir a criatividade.

É importante esclarecer o que eu quero dizer quando uso a palavra criatividade. Refiro-me à produção de ideias que trazem algum valor dentro de um contexto específico. Este valor deve ser conferido por alguém além do próprio criador e, para poderem ser conferidas, elas precisam ter algum nível de concretização.

Pesquisas conduzidas nas ultimas décadas sugerem que, se é que o talento existe, não seria suficiente para garantir uma vida criativa. Sabemos que existem crianças super dotadas, mas, curiosamente, é raro que se transformem em adultos que fazem diferença dentro de suas respectivas áreas de atuação. Em outras palavras, o que vem a ser talento, na ausência de paixão, curiosidade intensa, persistência, coragem, visível disposição para o trabalho? O talento, sem estes demais fatores, provavelmente seria invisível. Seria latência, potencial ou iminência, em vez de algo que se concretiza num produto ou atitude que possam ser avaliados como criativos.

Tendemos a achar que produtos incomuns são frutos de processos incomuns. Na minha experiência, produtos incomuns são frutos de processos comuns. Se uma pessoa é talentosa mas, preguiçosa, e não vai à luta, então quais serão os fatos que iremos avaliar para discutir o seu talento? E se não existem fatos – textos, obras, estratégias – então, o que estamos discutindo? Muitos criadores parecem se mostrar até ressentidos quando "acusados" de talentosos.

"Se as pessoas soubessem quanto tive de trabalhar duro para conseguir minhas coisas, não pareceria nada tão espantoso o que faço.”

Michelangelo

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